Leia este parágrafo: Daiane recebeu um convite para jantar em um restaurante famoso. João quebrou a perna ao sair de casa e precisou ficar hospitalizado no Canadá. Respirando fundo, Diego decidiu que sairia desse emprego e correria atrás de seu sonho de ser editor de livros.
Você tentou juntar os fatos e entender qual era a conexão entre eles, não é mesmo? Ou pensou “isso não faz sentido”, o que significa que você inerentemente esperou que houvesse um sentido.
No entanto, eu apenas solicitei que você lesse as frases, nunca lhe disse que havia uma conexão entre elas. Segundo explicou a neurocientista Andréia Fernandes em entrevista para esse texto, nosso cérebro está programado para pensar em sequenciamento e narrativas.
Assim, quando vemos ou ouvimos algo, buscamos sentido a partir de nossa maturidade e experiência de vida. Conversas com amigos, piadas, sessões de terapia, filmes, reportagens na TV, textos religiosos…
Nossa vida é uma imensa contação de histórias – e isso é um processo natural para nós. Assim, sendo a contação de histórias um processo intrínseco ao ser humano, ele certamente estará presente na sala de aula também.
O termo storytelling é comumente associado à cultura de passar conhecimentos oralmente de geração para geração. Essa prática existe desde que os primeiros humanos surgiram, por meio das pinturas nas cavernas.
É ela que define os aspectos culturais e os valores de uma sociedade. Na Educação, se refere à contação de histórias em sala de aula, realizada oralmente direto para os ouvintes. Em geral, se fala de storytelling para o público infantil, mas na verdade as técnicas são válidas para todas as séries e idades.
Como contar histórias é uma indagação comum entre professores. Segundo Fernandes, quanto mais estímulo e interação houver, mais áreas cerebrais estarão envolvidas.
Assim, é importante oferecer oportunidades para que o aluno “faça parte da história”. Para esta sessão, também entrevistei Noemi Urquiza, storyteller profissional. De acordo com as entrevistas e bibliografia especializada na área, listamos a seguir o que fazer durante uma contação de histórias:
Abaixo, também compartilho os principais trechos das entrevistas de Fernandes e Urquiza, agradecendo as profissionais e suas instituições (Edify Education e Colégio Santa Escolástica, respectivamente) por sua primorosa contribuição à área.
Marcela: O que acontece no nosso cérebro quando ouvimos uma história?
Andréia Fernandes, neurocientista: As histórias estimulam diferentes áreas do nosso cérebro, visto que o órgão, responsável por nossa aprendizagem, está programado para pensar em sequenciamento e narrativas.
Entre as áreas cerebrais ativadas estão o córtex visual, quando vemos imagens; o auditivo, quando ouvimos os sons produzidos na contação da história; o sensorial; as áreas da linguagem propriamente ditas (Broca e Wernicke); o sistema límbico, responsável por nossas emoções e o córtex pré-frontal, que envolve pensamento criativo e reflexões, por exemplo.
M: Qual a melhor forma de se contar uma história de modo a estimular o cérebro do aluno?
A: Há inúmeras formas de se contar uma história, no entanto, quando pensamos nos nossos estudantes, quanto mais estímulo e interação houver, mais áreas cerebrais estarão envolvidas. Sendo assim, é preciso usar diferentes recursos, que podem ser simples, porém, precisam ser eficientes.
Entre eles destacam-se o uso de figuras, para ajudar o aluno no processo de formação de imagens mentais; o uso de objetos em geral para que os estudantes possam tocar e interagir, ajudando a construir a narrativa; o uso de fantoches, que praticamente ganham vida e tornam-se os personagens da história, estabelecendo um vínculo afetivo com os ouvintes; o uso de músicas, que adicionam dinamismo ao enredo da história e muitas vezes ajudam na criação de um clima de suspense; linguagem corporal, gestos e mímica auxiliam os estudantes a terem a chance de vivenciar a história e, por fim, temos os desenhos, que podem ser construídos enquanto a história está sendo contada.
Com as técnicas descritas acima, o professor oferecerá aos alunos diferentes oportunidades de acionar múltiplas áreas cerebrais e formar inúmeras conexões, que são a base da aprendizagem.
M: Qual o benefício a longo prazo da contação de histórias na vida escolar do aluno?
A: A longo prazo, visto que a contação de histórias nos permite acionar diferentes áreas do cérebro e criar múltiplas conexões neuronais, o aluno passa a ter um maior nível de criatividade, um melhor nível linguístico, um desenvolvimento mais intenso de pensamento crítico e das funções do córtex pré-frontal, como planejamento, organização de pensamento e concentração. Além de uma maior velocidade de transmissão de informações para a memória de longo prazo.
Marcela: O que é importante levar em consideração para escolher uma história adequada?
Noemi: Ao contar histórias, é preciso conhecer as características do público para direcionar a linha de interesse e linguagem, além de entender as fases do desenvolvimento da criança.
Outro fator é a existência de alguma referência cultural nesse grupo, como imigrantes, escoteiros e religioso.
É importante também levar em conta o ambiente físico ou social no qual se vai narrar: parque, salão de festa, biblioteca. Se o local for aberto, escolher um ambiente calmo, colocar tapetes e acessórios para esse momento mágico. Para crianças menores, é essencial trabalhar o lúdico: fantoches, bichinhos, instrumentos, músicas e histórias que explorem os recursos sonoros.
São momentos que facilitam a memorização, estímulos para a linguagem e o vínculo afetivo. Para crianças maiores, há um repertório mais detalhado com temas variados como aventura, natureza, contos de fadas, contos de humor e fábulas. Gradualmente, elas aumentam o tempo de concentração e entendimento. Saber quais histórias são mais adequadas para cada faixa etária garante conseguirmos a atenção de grande parte do nosso público.
M: O que é importante que o professor faça antes, durante e depois da contação?
N: Considerando que existe um começo, um meio e um fim, é necessário que o contador se sinta seguro, inclusive para introduzir sons ou elementos surpresa (alteração de voz grave ou aguda, gestos com o próprio corpo). Antes de iniciar a história, é interessante cantar uma música de entrada ou tocar um instrumento que vai iniciar a apresentação.
Chamar a história é um momento mágico. Durante a narrativa, deve-se manter a concentração e mergulhar nos personagens e nas histórias. Em alguns momentos, é interessante interagir com o público para que participem do enredo. Cuidado para não ultrapassar o tempo de concentração das crianças. Ao terminar a história, é ideal sinalizar o fim. Pode-se realizar o uso de algumas cantigas, brincadeiras, bordões (“vitória, vitória e vitória, acabou-se nossa história”) ou mesmo uma música de fechamento.
M: Se você percebe que o público não está envolvido, o que você faz?
N: Quando percebo que meu público está um pouco distante ou que estou sendo interrompida pelos alunos, utilizo alguns recursos:
-Ah, mas vocês não sabem o que (a menina) fez…
-Mas, de repente… (palavras mágicas, som de instrumentos para momentos de virada)
-E então, algo aconteceu. Sem mais nem menos…
-O que eu vou contar agora, ninguém vai acreditar!
Dicas: não se incomodar com as interrupções, e sim aprender com elas; nunca ignorar as perguntas de uma criança.
M: E para você, o que é mais gratificante?
N: O que torna essa função gratificante é justamente a reação das crianças; o olhar, o sorriso, o amor, o carinho sincero e o envolvimento. É saber que depois da história que estou contando, vem o pedido de outra, e eu adoro quando eles me chamam de tia Nonô.
M: Que dica você dá para um profissional que está começando a contar histórias?
N: Para qualquer função que nos propomos a desempenhar, é fundamental que haja estudos, aprimoramento, pesquisa e muito empenho. Além disso, a criatividade deve ser uma constante. Cada professor ou contador possui a sua própria maneira de contar histórias, não existe um jeito certo ou um ideal.
Os profissionais nessa arte servem de inspiração e não é um modelo engessado, é que eles já descobriram o seu estilo. O professor ou contador deve experimentar-se nesse momento. E, é claro, não podem faltar “pimentinhas” de muito amor nas narrativas.
Bibliografia: HEATHFIELD, David. Storytelling with our students – techniques for telling tales from around the world. Surrey: Delta Publishing, 2014.
texto por: Marcela Nesello
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